quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Imbróglio jurídico ameaça as vilas olímpicas no DF

Decisão da Justiça do DF julga inconstitucional lei que permite ao governo celebrar contratos com organizações sociais em projetos esportivos e põe em xeque a manutenção das vilas olímpicas

 Publicação: 17/01/2011 08:40

O esporte não traz apenas benefícios físicos a quem o pratica. Ele gera a consciência de respeito ao próximo, sociabiliza os indivíduos e dá mais qualidade de vida a uma comunidade amparada por projetos na área. Nesse sentido, o governo do Distrito Federal (GDF) se depara com um dilema jurídico e terá que encontrar uma saída legal para contornar uma decisão da Justiça do DF que põe em xeque a gestão de projetos esportivos como o das Vilas Olímpicas.
Elio Rizzo/Esp.CB/D.A Press
O instrutor Gernane Brito aponta algumas das regras da Vila Rei Pelé: consciência social e respeito ao bem público


No último dia 7, uma decisão do Tribunal de Justiça do DF (TJDFT), que julgou uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) impetrada pelo Ministério Público, proibiu o governo de celebrar contratos com organizações sociais para gerir projetos esportivos. Esse era justamente o pilar que sustenta o funcionamento das Vilas Olímpicas no Distrito Federal.

O impasse jurídico nasceu por conta de uma lei distrital que ampliou, no DF, a área de atuação dessas organizações. A Lei Federal nº 9.637/98 trata especificamente sobre esses tipos de contrato. Mas ela contempla apenas as áreas de educação, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, cultura, saúde e preservação do meio-ambiente. Por conta disso, o TJDFT julgou inconstitucional a brecha jurídica criada pelo GDF. “O modelo distrital não deve afastar-se do modelo federal, ampliando as áreas de atuação”, diz um trecho da decisão do TJDFT.

Se a determinação for mantida, a Vila Rei Pelé, única do DF que atualmente opera em pleno vapor, em Samambaia, gerida pelo Instituto Amigos do Vôlei, comandado pelas ex-jogadoras da Seleção Brasileira de vôlei Leila e Ricarda, terá que abrir mão da administração do local. Atualmente, 4.125 crianças, adolescentes, adultos e idosos são usuários frequentes da vila, que oferece aulas em 15 modalidades esportivas. O Instituto assinou contrato com o GDF em 5 de outubro de 2009, no valor de R$ 5,96 milhões, com validade até 5 de novembro deste ano, e é responsável pelo pagamento de todas as despesas da vila.

Na opinião de Ricarda, o projeto da vila olímpica vai muito além do esporte. E seu principal apelo é sócioeducativo. “Uma vila olímpica não visa a formação de atletas de rendimento”, destaca. “O principal objetivo é proporcionar às comunidades atendidas o acesso ao lazer e à educação esportiva”, pondera. Apreensiva, Ricarda aguarda o posicionamento do GDF para saber se poderá seguir com o projeto em Samambaia. “A Vila não é nossa. Ela foi abraçada pela comunidade e isso é visível no cuidado que os frequentadores têm com ela”, afirma.

Aprovada na Câmara Legislativa
A Lei 4.081, aprovada pela Câmara Legislativa em 2008, ampliou a possibilidade de contratação de organizações sociais que atuam nas áreas de esporte, ação social, defesa do consumidor, desenvolvimento tecnológico da fauna e da flora, agricultura e abastecimento.

Só elogios em Samambaia

Elio Rizzo/Esp.CB/D.A Press
Francisco Rodrigues: "Foi aqui que vim encontrar saúde. Se a Vila fechar, acaba minha vida"
Entre os usuários da Vila Olímpica de Samambaia, a opinião é unânime: o projeto mudou a cara da cidade. O instrutor Gernane Brito, de 21 anos, mora na cidade e conta que, antes da Vila, era frequente a rixa entre jovens e a depredação de quadras esportivas. “Muita coisa mudou, principalmente na forma como as pessoas veem o esporte e o lazer. Hoje, todos respeitam a Vila e a tratam com todo carinho”, relata.

O aposentado Francisco Rodrigues, 65 anos, frequenta as aulas de natação e hidroginástica oferecidas durante a semana. E conta como o projeto mudou sua rotina. “Foi aqui que vim encontrar saúde, porque sentia dores nos ombros e não conseguia nem dobrar os joelhos. Agora, com o acompanhamento médico gratuito que a Vila oferece e com as aulas de natação, sou uma outra pessoa. Se a Vila fechar, acaba minha vida.”

O cartunista Cristiano Henriques, 32 anos, também mora em Samambaia e frequenta a Vila com o filho Pedro Gabriel, de 7 anos. Enquanto ele pratica exercícios dirigidos para a perda de peso durante a semana, o filho faz atletismo. “Aqui, somos muito bem atendidos pelos funcionários, temos acompanhamento médico individual e é tudo organizado e limpo, sem bebida alcoólica e nem bagunça”, elogia. “Espero que o governo não mexa em nada, porque se a solução for substituir por funcionários públicos acho que o trabalho será levado com a barriga.”

Ceilândia e São Sebastião na fila

As Vilas do Parque da Vaquejada, em Ceilândia, a ser administrada pelo Centro de Treinamento em Educação Física Especializada (Cetefe), e de São Sebastião, a ser gerida pela organização social Brasil Eu Acredito, esperam por uma solução do problema legal para começar a funcionar plenamente. As duas instituições têm contrato assinado com o governo, mas ainda não receberam recursos para começar a operar nas Vilas. Para Ceilândia, estão destinados R$ 4,93 milhões. Já para São Sebastião, o valor é R$ 5,19 milhões. Ambos os contratos são anuais.

O gestor da Vila de Ceilândia, Ulisses Araújo, confia em uma saída positiva. “Na reunião em que eu e os outros gestores das Vilas tivemos com o governo, na semana passada, ficou clara a boa intenção do GDF. Então, a única saída, neste momento, é esperar”, diz.

Governo busca solução

O secretário de Esporte e Lazer, Célio René Trindade, garante que a decisão do Tribunal de Justiça do DF não chega a ameaçar o funcionamento das Vilas porque, do ponto de vista de política esportiva, o projeto é estratégico para o GDF.

“A maior contribuição do projeto é na promoção social. Por isso, vemos o assunto com carinho e com todo o interesse em mantê-lo em funcionamento”, explica. Entretanto, de acordo com René, ainda é cedo para falar em uma solução imediata ao problema. “A procuradoria do GDF vai se pronunciar sobre os contratos realizados e como proceder daqui para frente. Mas cabe frisar que esses contratos foram assinados quando havia previsão legal para isso”, ressalta.

Nenhum comentário:

Postar um comentário